terça-feira, 30 de julho de 2013

Um Brasil holandês

Quando desembarcaram no novo mundo, os colonizadores europeus trouxeram consigo influências da Renascença e do Barroco, que continha forte caráter religioso. No entanto, aqui no Brasil, a missão artística trazida na comitiva holandesa de Maurício de Nassau no século XVII deixaria de lado os temas sacros.
Maurício de Nassau-Siegen chegou ao Brasil por meio das invasões holandesas em Pernambuco, e atuou como governador, representante da Companhia das Índias Ocidentais entre 1637 e 1644. Era protestante e adepto da tolerância e liberdade religiosa, além disso, era um incentivador das artes e das ciências, tendo sido conhecido pelo historiador inglês C. R. Boxer como “o Príncipe humanista no Novo Mundo”.  Seu empenho em realizar uma missão artística e científica trouxe para o Brasil pintores como Frans Post e Albert Echkhout, que contribuíram para a representação do Novo Mundo na Europa.



As pinturas realizadas por esses autores demonstram um realismo descritivo de cenas do cotidiano e paisagens tropicais, e também nos deixam um legado do povo nativo visto pelo olhar europeu. Franz Post foi um dos primeiros a retratar as peculiaridades da terra e do povo que habitava o Brasil no século XVII, como pode ser visto na tela “Vista de Itamaracá”.


Frans Post é descendente de uma escola paisagista holandesa, em que as pinturas são caracterizadas pela riqueza de detalhes, e as imagens são retratadas em uma perspectiva distante, abrangendo uma área ampla da paisagem colonial. Em “O Engenho”, observa-se detalhes do modo de vida colonial: moradias de escravos e lavradores; o engenho; a casa-grande e a capela; além de detalhes da flora e fauna brasileiras. Carrega também detalhes de como funcionava o engenho, movido por roda d’água.



Diferente de Post, que pintava em perspectiva distante, Albert Echkhout desenhava figuras vistas de perto. Além de pintor e artista plástico, era botânico e, por isso, parte de sua obra era dedicada à fauna e flora brasileiras, além de retratar os escravos, índios e outras pessoas que ali vivam. as telas de Echkhout tinham geralmente mais de 2 metros e seus personagens ocupavam o centro da figura, dando a impressão de fitar, face a face o espectador. 



Echkhout registrava as personagens, preservando suas peculiaridades étnicas, o que contribuiu para a construção do conhecimento etnográfico do Novo Mundo na Europa. Na verdade, as obras visuais de Post e Echkhout foram obras de referência da literatura científica, e mostram a hibridez entre a História da Arte e a História Natural nos artefatos produzidos pela Missão Holandesa. 



Apesar do caráter científico que impulsionou as pinturas e desenhos produzidos pelos artistas holandeses, seu conjunto de obra transcende o conteúdo puramente descritivo, já que possui elementos simbólicos e subjetivos ligados ao olhar do conquistador frente ao exótico, o mundo que se apresentava. Como pode ser visto, por exemplo, na tela "Guerreiro Negro" de Echkhout, que apresenta um africano em Recife que não é um escravo, e sim um homem livre armado de lança, arco e flechas - o que desperta reflexão acerca da origem de tal personagem. 



Na contemporaneidade, o registro deixado pela presença holandesa no Brasil serve como subsídio para compreensão do patrimônio histórico-cultural do nordeste brasileiro - de sua gente, cidades e moradias rurais, e também da busca pela compreensão do ponto de vista de quem produziu (conquistadores) as imagens, e de suas personagens (conquistados), no momento de contato e conflito entre diferentes povos e culturas.

Texto: Bruno Monteiro

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