Bruno Monteiro
Marcel Duchamp 1956 |
De espírito inquieto e contestador, Marcel Duchamp fez da sua obra uma sequência de questionamentos irônicos acerca dos “padrões” e “regras” que habitavam o mundo da arte. Duchamp propôs novos métodos para a realização da arte, partindo de idéias, e abriu as portas para que a arte pudesse se tornar uma roda de bicicleta em cima de um banquinho, ou uma lata de merda, como na obra “A merda do artista” (1961), de Piero Manzoni.
Em sua juventude, adquiriu gosto pelo simbolismo pintando e prestando homenagens ao pintor simbolista Odion Redon. Nessa época, sua obra mostrava influências do Cubismo, Fauvismo e Pós Impressionismo. Ao frequentar a Academie Julian em Paris, pintava quadros impressionistas segundo ele “só para ver como eles faziam isso”.
Duchamp era um artista muito pensativo e gostava de criar trocadilhos visuais e verbais, fazendo de sua obra uma confluência entre criação artística, contação de piadas e joguetes. Em 1912, criou em estilo cubista o nu intitulado “Nu descendo uma escadaria, n° 2”. A obra causou certo alvoroço e gerou discussão com o grupo Puteaux, ao qual era ligado na época juntamente com Francis Picabia, Roberto Delaunay e Juan Gris. Duchamp submeteu seu trabalho ao Salon des Indépendants Cubista, no entanto, lhe pediram para que mudasse o nome da obra ou a retirasse da mostra. A obra foi retirada da exposição e Duchamp se desligou do grupo.
Nu descendo uma escadaria N 2 |
Diferente do nu estático que atravessou a história da arte, o nu de Duchamp se movimenta através de formas abstratas ao descer as escadas. Enquanto o cubismo procura representar diferentes pontos de vista em um momento, Duchamp faz um nu fragmentado, nada tradicional, e o representa de um único ponto de vista em momentos diferentes. Mais tarde, Duchamp irá submeter o mesmo trabalho ao Armory Show de Nova York, onde iria receber maior aceitação, apesar de o próprio Duchamp ter se decepcionado com a falta de receptividade dos artistas de “vanguarda” da época.
Cansado de dançar conforme a música, Duchamp decide se desvincular da pintura tradicional, desenvolvendo um estilo que iria subverter a arte para sempre: o ready-made. Nessa nova fase de seu trabalho, o artista questionador chega à conclusão de que qualquer objeto banal ou inustrializado pode ser transformado em arte. Sua primeira obra de tal natureza foi “A roda da bicicleta” (1913), em que uma roda de bicicleta é fixada num banquinho. Porém, sua obra mais famosa e polêmica é “A fonte” (1917), um urinol de porcelana com a assinatura “R. Mutt” escandaliza até os dias de hoje.
A fonte 1917 |
A roda de bicicleta 1913 |
Segundo Duchamp, a escolha dos ready-mades nada tem a ver com o deleite estético-visual. O ready-mady é uma espécie de exaltação à anti-arte, que será abraçado pelo movimento dadaísta e tem como principal intuito a indiferença, a visualização desvinculada de bom ou mau gosto, ou até mesmo um tipo de anestesia à obra. Ao se libertar da pintura, Duchamp queria causar algo mais que simples impressões visuais.
Uma de suas últimas e principais obras é “O grande vidro”, uma pintura sobre uma placa de vidro, dividido em duas seções. A parte superior foi chamada “A noiva desnudada pelos seus celibatários” e contem uma figura abstrata que seria a noiva; na parte de baixo, chamada “Moinho de chocolate”, há várias outras figuras feitas de tecido, cabides e outros materiais diversos, dispostos em círculo ao lado de uma engrenagem. A obra gera uma série de opiniões conflitantes e é considerada um enigma, por isso deve ser, além de ser contemplada, decifrada. É interessante o fato de que ao transportar O Grande Vidro a obra sofreu uma queda e o vidro trincou, no entanto, Duchamp ponderou que os danos causados à obra tornaram-na perfeita para os seus objetivos.
Ainda na década de 20, Duchamp abandonou a criação artística para se dedicar ao xadrez, no entanto, deixou um legado vasto que se liga aos movimentos cubista, dadaísta e surrealista, e hoje é visto como um dos precursores das artes conceitual e minimalista influenciando gerações de artistas.
O grande Vidro 1923 |